Fartamente anunciado, ontem, dia 31 de outubro, comemorou-se o primeiro dia D — Dia Drummond — que agora faz parte do calendário cultural nacional. Procuramos em nos arquivos pessoais do deputado federal Newton Cardoso uma crônica poética que Drummond escreveu sobre o fechamento da fábrica de Cimentos Itaú Portland, no dia 23 de agosto de 1975 — Como este acervo é enorme, segue com um dia de atraso e por isso vão as nossas desculpas.
Naquela época, Newton estava em meu primeiro mandato como prefeito de Contagem e, depois de meses de tentativas de negociação, se viu obrigado a cassar o alvará de funcionamento da fábrica.para se ter uma idea do problema, cerca de oito toneladas de pó de cimento saíam diariamente da chaminé da fábrica, causando transtornos de toda ordem, sobretudo problemas respiratórios à população dos bairros vizinhos. Apesar da ordem de fechamento, o então presidente Ernesto Geisel, trouxe para o governo federal a prerrogativa de decidir sobre o assunto, e baixou o decreto-lei nº 1413/75 e o decreto nº 76389/75, esse último para regulamentar o decreto-lei.
Com isso, Drummond nos presenteou com está crônica poética.
A festa
Carlos Drummond de Andrade
“À festa não chegues atrasado; ela pode acabar antes que pises no salão.” Este princípio de sabedoria prática demonstrou mais uma vez sua procedência, ou será que certas festas acabam antes de começar, não dando tempo a ninguém para chegar no salão? Fico na dúvida.
Quando fui celebrar o feito da população de Contagem, que vencera a difícil parada da poluição, julguei encontrar hinos, flores, discursos, chope escorrendo em cascata, vento de alegria pelas almas, que sei eu? Festa do interior, com aquele transbordamento de felicidade nas caras simples, nos gestos soltos, e alguma coisa de pureza na espontaneidade.
Cheguei, assuntei, não vi ninguém pulando nem cantando. Os músicos tinham ido embora, as luzes estavam apagadas. O céu escuro, espalhado sobre as casas, indicava apenas que o pó de cimento, o invencível pó de cimento, continuava e continuava e continuava a pairar.
— A festa acabou
— Não me diga!
— Pra falar verdade, durou tão pouco que nem houve festa. Houve a ilusão de uma festa.
— Mas eu soube que ia haver, e vim correndo para tomar parte!
— Só se corresse mais que o pensamento. A poluição ia ser desativada no espaço de alguns dias. Mas acabou sendo reativada em cinco minutos, entende?
Não entendi, mas tomei ciência. Como antes tomara ciência de queixas, queixumes, reclamações, lados técnicos, protestos, decepções, indignações, esperanças renovadas, esperanças crestadas. E, finalmente, de um ato político; o governador de Minas, atendendo a solicitação legal do prefeito de Contagem, mandara garantir o fechamento da fábrica poluidora.
Bom, é hora de repicar sino, concluí. Se o governador mandou vamos bailar em torno desta beleza: o povo triunfante. Pois em Minas, como em toda parte, se o governo falou, está falado: se obrou, está obrado. E tendo este obrado com espírito de justiça, é caso líquido e certo de soltar foguetes. Como ousaria a fábrica resistir a esse forte poder que se levantava a serviço do cumprimento da lei? Já marcham para Contagem os pelotões policiais, já tomam posição estratégica e asseguram o fim gradativo do pesadelo enfumaçado que torturava Contagem. Alvíssaras, meu capitão!
Tudo, porém, durou menos que 1’espace d’un matin. Durou o tempo em conseqüências de um decreto federal voando pelo telex, sustar-se o fechamento, enquanto se estabelecem novo critério e nova competência para decidir sobre focos poluidores. Vai-se estudar o assunto com ponderação e calma – cautelas que, parece, não foram observadas em mais de 20 anos de discussão a respeito dos efeitos ou não efeitos do pó de cimento estático sobre uma cidade.
Então compreendi por que não houve tempo de fazer festa por lá. Na fumaça concentrada, julguei ver farrapos de nuvens mais espessas (ou mais tênues?) em que se depositavam uma ou outra partícula de autonomia municipal e de sua mana estadual. “O Brasil é uma república federativa”, pois não? Fumaça antifederativa, dirá algum velho constitucionalista. Eu não saberia defini-la. Mas fumaça. Caindo sobre moradores e eleitores da nova Contagem industrial em que se transformou a antiga Contagem das Abóboras. O governador deu-se por satisfeito com o decreto. O prefeito idem. Ao vencedor, as abóboras.
Belo Horizonte, 23 de agosto de 1975
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ResponderExcluirFantástico! Grande Feito do maior e melhor Lider politico de Contagem! Newton Cardoso!
ResponderExcluirMeu tio tenho muito orgulho do senhor.
Deputado ,continue representando de uma forma brilhante que sempre faz...
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